O novo livro, chamado 'A Comissão Chapeleira', foi um dos destaque na bienal carioca no estande da Novo Século, que teve vários livros sobrenaturais em destaque.
Entre os autores presentes da editora durante o evento literário do ano, estava Renata Ventura que cedeu uma entrevista para o Contos Sobrenaturais.
IMPORTANTE: A Entrevista pode conter SPOILER.
CONTOS SOBRENATURAIS: Por que um protagonista de uma comunidade?
RENATA VENTURA: Assim que tive a ideia de falar sobre um menino que se descobria bruxo no Brasil, pensei: seria fantástico se o protagonista fosse morador de uma comunidade. Eu queria que os problemas dele não viessem apenas da magia; que ele já tivesse problemas e desafios antes mesmo de se descobrir bruxo. E claro, colocar um protagonista vindo de uma favela abre um leque enorme de assuntos que eu poderia abordar, como o abandono das políticas públicas, a falta de apoio aos jovens de comunidade em relação a educação, cultura e segurança, e o perigo de se ter uma quantidade grande de maus exemplos te cercando, como era o caso do meu protagonista e seu relacionamento próximo com os chefes do tráfico local.
CS: Qual suas referências e inspirações para compor seu protagonista e história?
RV: Ao contrário dos outros personagens do livro, que fui criando de acordo com as personalidades de cada signo, e que tiveram inspiração em algumas pessoas que conheço, Hugo foi sendo criado reativamente: eu ia sentindo como ele reagiria a determinadas situações. Percebi que ele era um jovem revoltado, impulsivo, agressivo, egoísta, mas com uma vontade grande de fazer a coisa certa e uma capacidade enorme de se arrepender e ser tomado pelo remorso. Por Hugo ter uma aproximação maior com traficantes, devido às escolhas péssimas de relacionamento amoroso de sua mãe, as características negativas dele, vindas do instinto, são as que mais aparecem no primeiro livro. Eram caracteríssticas até necessárias para que ele sobrevivesse até os 13 anos; momento em que o livro começa. Depois que ele se descobre bruxo, no entanto, nós percebemos que ele precisa começar a controlar essas características para não se tornar um perigo para ele mesmo e para os outros.
No fundo, Hugo é apenas mais um jovem pobre, filho de mãe solteira e pai desconhecido, como tantos que existem e sobrevivem nas comunidades do Rio de Janeiro, com a diferença de que Hugo descobriu, na magia, uma forma melhor de se defender. Eu sei, no entanto, que o ambiente não é o único fator que influi na personalidade de uma pessoa. Tanto que há outras personagens, no livro, que cresceram com as mesmas dificuldades do protagonista e não se tornaram agressivas ou egoístas como ele. Gislene é uma menina da mesma idade, que vivenciou as mesmas coisas, e é um exemplo de moralidade. Dandara, mãe dele, é honesta e trabalhadora, apesar das escolhas erradas que fez no campo do amor. A avó do Hugo, Abaya, é um exemplo de sabedoria.
Quanto a minhas referências para criar a história, eu procurei mesclar o mundo mágico de Harry Potter (minha paixão literária), com muito do meu conhecimento sociológico, histórico e cultural do Brasil. Fiz muita pesquisa em jornais, em livros teóricos e livros de mitologia brasileira para criar a história de "A Arma Escarlate". Tanto que o livro é mais denso e mais rico em informações sobre o mundo real do que a maioria dos livros de fantasia. Eu quis fazer isso para poder discutir esses temas brasileiros que tanto precisamos debater, e também para tornar a trama muito mais real e concreta, fazendo com que o leitor sinta que aquele mundo mágico do Rio de Janeiro realmente existe.
CS: Mesmo sendo uma história de ficção de fantasia, há algo ou alguém inspirado em fatos reais?
RV: Sim, toda a parte que não envolve magia foi tirada de fatos reais. Usei como base matérias de jornal, além do livro 'O Abusado', de Caco Barcellos, que me ajudou demais, por mostrar como era a comunidade Santa Marta em 1997, ano em que se passa meu livro! No Santa Marta, Hugo mora em um container, não em um barraco. Um container doado pelo governo para a família dele, e para outras nove famílias, dez anos antes, com a promessa de que logo a prefeitura reconstruiria os barracos destruídos por um deslizamento de terra. No fim, aquelas dez famílias foram completamente esquecidas pelo poder público e permaneceram vivendo naqueles containers abafados, se queimando ao tocar nas paredes quentes de suas próprias "casas", por mais de dez anos. Isso realmente aconteceu. Tirei de uma notícia de jornal, onde as dez famílias comemoravam o aniversário de dez anos de esquecimento do governo com um bolo e uma velinha.
CS: Fale um pouco de sua série de livros, em especial do lançamento mais recente.
RV: 'A Arma Escarlate' conta a história de Hugo, um menino de 13 anos, morador da favela Santa Marta que, durante um tiroteio, em 1997, descobre ser bruxo. Como ele está sendo ameaçado por um dos chefes do tráfico, ele foge e encontra na magia sua única forma de se defender contra aqueles que estão ameaçando sua família. Como fã de Harry Potter, eu sempre imaginava como seria a comunidade bruxa no Brasil, e quando a J.K. Rowling, autora de Harry Potter, disse que outras pessoas poderiam falar sobre escolas de bruxaria em seus próprios países, agarrei a oportunidade de dar continuidade a este mundo bruxo que tanto nos encantou. Lancei 'A Arma Escarlate' em novembro de 2011 e a primeira edição esgotou em menos de seis meses. Fiquei muito feliz! Principalmente com a quantidade de mensagens super carinhosas que recebo de meus leitores todos os dias!
Então, em agosto de 2014, lancei a continuação 'A Comissão Chapeleira'; um livro mais pesado e mais político do que o primeiro. O vilão principal da série é introduzido nele, e a resposta dos leitores tem sido fantástica! Estão pirando com o vilão e com tudo que acontece no livro. Isso me empolga demais para tentar escrever 'O Dono do Tempo' o mais depressa possível!
'O Dono do Tempo' vai se passar, em parte, na Amazônia. Na verdade, cada um dos cinco livros da série irá apresentar uma das cinco escolas de magia espalhadas pelas cinco regiões do Brasil. Visitei a região Norte alguns meses atrás para pesquisar, e a viagem foi maravilhosa. Meus leitores se encontraram comigo e me levaram em um passeio por vários dos cenários mais famosos de Belém e Manaus. Foi mágico! Embarquei em um navio para ir de uma cidade a outra. A viagem durou 6 dias pelo rio Amazonas e foi mágica demais. Incrível o que a gente não conhece do próprio país. Esse é um dos objetivos da minha série, apresentar o Brasil aos brasileiros e mostrar que somos um país lindo, apesar de todos os nossos defeitos. Todo país tem os seus.
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Entrevista e Fotos: Anny Lucard
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