Literatura Fantástica nas ondas do rádio




quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Colaboração IX

Entrevista com...

Rafael Loureiro, escritor

Numa altura em que os vampiros são um tema actual na literatura, decidimos descobrir os pontos de vista de um autor nacional que se dedicou a este tema. O livro é “Memórias de um Vampiro”, e já foi comentado num dos números anteriores. Agora vamos conhecer o autor.


Carla Ribeiro: Os teus livros foram publicados primeiro em edição de autor e depois deu-se o salto para a Presença. Qual é a sensação?

Rafael Loureiro: Antes de mais, para poderes entender um pouco melhor o que senti, deixa-me partilhar um pouco do que experienciei: Comecei a escrever contos soltos acerca de DelMoona em 2000 e no final de 2004 tinha Memórias de um Vampiro acabado. Em 2005 começo a enviar copias para dezenas de editoras. Mesmo sabendo que as tendências literárias do fantástico seriam para universos como Harry Potter e Senhor dos Anéis, mantinha uma expectativa alta. Claro que fui recebendo as cópias do livro devolvidas com a mesma resposta: “Agradecemos o envio da sua obra, mas temos a agenda editorial preenchida.” Obviamente fiquei tristíssimo, não tanto por não ser publicado, mas por me aperceber que a maior parte das editoras nem sequer respondeu, outras nem sequer leram o livro pois devolviam-mo ainda selado. Depois de tantas impressões, cartas, envelopes e selos desisti por alguns meses de procurar editora. Tentei novamente passado um ano (2006). Entrei em contacto, desta vez por email, com as mesmas editoras e outras diferentes. Mais uma vez, a maior parte delas nem sequer respondeu ao email (mentalmente agradeci não ter passado novamente noites em claro a imprimir livro atrás de livro). Foi então que decidi, em 2007 investir numa edição de autor. Vi-me então com 200 exemplares em mãos. E agora? Percorri a cidade onde vivo – Amadora – em busca de livrarias, ou outras lojas, onde pudesse deixar o livro a vender à comissão. Muito envergonhado, pois quando tentamos vender um produto nosso as pessoas desconfiam, lá encontrei 3 lojas onde deixei o livro. Em Lisboa fiz o mesmo e deixei apenas numa loja. Os meus amigos iam dando a conhecer o livro de boca em boca e no espaço de um ano a 1.ª edição esgotou. Em 2008 fiz a 2.ª edição e arrisquei editar também o Tomo II – Ascensão de Arcana. Desta vez vi-me com 300 livros em casa. Tentei falar com algumas lojas no Porto, em Faro, Coimbra, Tomar, entre outras, mas deixei a ideia de lado pois os portes de envio elevariam bastante o preço dos livros. Desta forma tentei contactar com as grandes livrarias como a Fnac, Bertrand, etc... e para meu desespero, todas me disseram que só trabalhavam com distribuidoras ou editoras. Tentei então falar com várias distribuidoras que por sua vez me comunicaram que apenas trabalhavam com editoras, estas que por sua vez “tinham a agenda ditorial preenchida”. Então como é que um novo autor entra neste ciclo fechado? Assim se passou o ano de 2008 e início de 2009, a vender os livros da mesma forma e também através da net, mais lentamente agora pois os espaços para venda eram poucos. Passei horas e horas em blogs, fóruns, etc. a publicitar os livros até que, este fenómeno acerca do universo do vampiro chegou a Portugal! Voltei a enviar emails numa derradeira tentativa de publicação e foi quando em Abril, 15 minutos antes de sair de casa para ir dar aulas, recebi a resposta da Editorial Presença a pedir um exemplar do livro. Dias mais tarde responderam por email “... e é com muito gosto que lhe comunico o nosso interesse em publicar a sua obra.” Qual é a sensação?! Cheguei tarde às aulas pois li e reli dezenas de vezes o email, de boca aberta, incrédulo. Durante as aulas não disse nada a ninguém e depois de ter dado as aulas nesse dia, veio o estado de choque. Fui beber um café a uma esplanada sozinho e permaneci sem me mexer durante uma boa meia hora.Penso que só acreditei mesmo quando contei à primeira pessoa. É uma sensação de júbilo e plenitude, mas penso que mais que isso, senti-me orgulhoso de nunca ter desistido, de nunca ter guardado o livro numa gaveta.


C.R.: Vampiros... são um dos meus temas preferidos no fantástico. Porque escolheste os vampiros?

R.L.: Essa é um pergunta difícil e demasiado pessoal para explicar... Mas passo a tentar: Desde novo, sempre gostei do universo do terror. Em filmes ou em histórias, adorava os Lobisomens, Vampiros, Fantasmas, Monstros, etc. Na juventude, ao descobrir a paixão pelo gótico e pelo ultra-romantismo descobri também muitos autores, filmes e artistas ligados a este género. Mas sempre que lia Anne Rice, Bram Stoker, Polidori,ou via filmes como Nosferatu de Murnau, The Lost Boys de Joel Schumacher, Vampiros de John Carpenter, ou até mesmo o RPG Vampire the Masquerade, sempre pensei para mim mesmo “Falta qualquer coisa em cada um deles.”. No entanto foi com eles que me identifiquei. Talvez pela sua dualidade, pelo romantismo, pela farsa com que tinham de viver... de sobreviver. Sem querer fui criando dentro de mim o Daimon (na altura, apenas DelMoona), um vampiro que bebe de todas estas influencias; um ser amaldiçoado que no entanto provêm de algo divino, um ser dividido constantemente em luta entre o bem e o mal, um ser que busca aquilo que perdeu – a alma, a an_ma, o que o faz mover e no entanto que ama mais do que seria permitido, um ser que esconde as suas paixões e demónios no meio das pessoas, um ser que quer reger-se por um código de honra superior a ele. Pergunto-me agora: Se o Daimon fosse humano, não seriamos todos um pouco assim?


C.R.: Parece-me (pelo menos foi o que a leitura me passou) que os teus personagens têm um forte componente emocional. Algum motivo em concreto para isso?

R.L.: Em relação aos personagens, tenho antes de mais de agradecer a alguns amigos - Filipa, André, Zé, Joana, Cristina, Carlos, Francisco e António - uma vez em que me baseei neles para a criação de alguns dos personagens. Fui buscar-lhes os aspectos físicos e traços de personalidade mais fortes. Conhecendoos tão bem, foi fácil saber como os personagens reagiriam face a qualquer situação. Era como se tivessem vida própria. Motivo concreto? Sinceramente não sei responder. Quis apenas dotá-los de paixões, de desejos, de medos e sofrimentos e tentei descrevê-los de maneira que o leitor os sentisse em si.


C.R.: Quais são os teus planos para o futuro, em termos literários?

R.L.: Para já, será editar o Tomo II e o Tomo III da trilogia Nocturnus. Não penso ainda a longo prazo pois estou a focar as minhas energias na revisão do Tomo III, mas... existe a ideia para um 4.º livro. Não queria desvendar muito porque ainda não sei se irei concretizar este projecto ou não, se assim for, posso adiantar que seria como um apêndice da trilogia, uma visão mais aprofundada das histórias dos personagens.


C.R.: A pergunta inevitável: quais são os teus autores e livros preferidos?

R.L.: Tantos e tão variados... Posso enumerar primeiro o livro que está sempre na minha mesinha de cabeceira: Bushido – O Código do Samurai de Daidoji Yuzan, um livro que recomendo a todos. Outros livros que adorei ler: Eu sou a Lenda de Richard Matheson, A Saga do Rei Dragão de Stephen Lawhead, A Conspiração e a Fortaleza Digital de Dan Brown, Os Pilares da Terra de Ken Follett, a saga Harry Potter da J.K. Rowling, claro, Entrevista com o Vampiro da Anne Rice e Drácula de Bram Stoker, na poesia releio regularmente os poemas de José Régio, Edgar Allan Poe, Soares de Passos, Florbela Espanca, Fernado Pessoa, etc., etc.


C.R.: Em que te inspiras para escrever?

R.L.: Creio de seja inevitável para um escritor deixar algo de si nos personagens que cria, no meu caso Daimon DelMoona tem as minhas paixões, os meus demónios, os meus medos, o meu código... O Daimon é aquilo que diariamente todos tentamos esconder, por isso, a minha fonte de inspiração acaba por ser o meu dia-adia, as minhas batalhas diárias, os meus desgostos e vitórias. Depois é só convertê-las, claro, para a realidade de Nocturnus.


C.R.: Como vês o estado da literatura fantástica no nosso país?

R.L.: Penso que se concorda quando digo que o literatura fantástica não faz grande parte da nossa tradição como país. Somos mais um país de poetas e de fado (que tanto aprecio), mas estas influências que bebemos de fora, estão a fazer crescer o gosto dos leitores e a despontar novos escritores nacionais para esta área. Parece-me que teremos – e já temos - uma geração de bons escritores da literatura deste género.


C.R.: Queres deixar alguma mensagem aos teus leitores e/ou a colegas escritores?

R.L.: Aos leitores, quero, com muita humildade, apenas agradecer o facto de terem ousado ler um novo autor. Num mercado em que se vive de grandes nomes, é difícil pegar num livro de um autor desconhecido. Obrigado a todos! Aos colegas escritores, especialmente àqueles que procuram editar o seu primeiro livro: Arrisquem, não deixem os originais nas gavetas e NÃO DESISTAM!!!!


Texto Original:

Entrevista de Carla Ribeiro e texto original da revista literária online Alterwords - edição 11.
Para saber mais sobre Rafael Loureiro acesse o site http://nocturnus.blogs.sapo.pt/

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